FERIDA D'ÁGUA II (foi a imaginação que pariu Telémaco)
todos estes anos tentei esconder-me da morte
ainda que tenha passado o resto do tempo a esconder-me da vida também
a pessoa que olha para mim no espelho
não fala comigo, não me diz nada
não poderia dizer-me nada
o medo cresce entre línguas que não se conhecem
deveria ter partido também, como o teu pai
talvez tivesse tido a sorte de me achar
sob o mesmo manto de estrelas que te cobre
para que adormeças leve onde eu não te saiba
aconchegado pelos meus fios desmanchados
imaginar-te assim é ter por certo que existe
um mundo maior do que nós, um mundo imenso
onde não cabe aquele reflexo que me olha do espelho
sou o pano que falhou antes mesmo que o seu tear fosse montado
saberás perdoar-me por todos os anos em que permaneci no passado?
de tanto olhar para trás mudei inconsciente da mudança,
até ao dia em que pude ver a tua felicidade
alheia à minha influência e percebi
que no fracasso esteve o meu maior ganho